terça-feira, 8 de junho de 2010

Romance LIII ou Das palavras aéreas

Romance LIII ou Das palavras aéreas






Ai, palavras, ai, palavras,

Que estranha potência a vossa!

Ai, palavras, ai, palavras,

Sois de vento, ides no vento,

No vento que não retorna,

E, em tão rápida existência,

Tudo se forma e transforma!



Sois de vento, ides no vento,

E quedais, com sorte nova!



Ai, palavras, ai, palavras,

Que estranha potência a vossa!

Todo o sentido da vida

Principia à vossa porta;

O mel do amor cristaliza

Seu perfume em vossa rosa;

Sois o sonho e sois a audácia, calúnia, fúria, derrota...



A liberdade das almas.

Ai! Com letras se elabora...



E dos venenos humanos

Sois a mais fina retorta:

Frágil, frágil como o vidro

E mais que o aço poderosa!

Reis, impérios, povos, tempos,

Pelo vosso impulso rodam...



(...)



Detrás de grossas paredes,

De leve, quem vos desfolha?

Pareceis de tênue seda

Sem peso de ação nem de hora...

_ e estás no bico das penas,

_ e estais na tinta que se molha,

_ e estais nas mãos dos juízes,

_ e sois o ferro que arrocha,

_ e sois barco para o exílio,

_ e sois Moçambique e Angola!



(...)



Ai, palavras, ai, palavras,

Mirai-vos: que sois agora?



(...)



Ai, palavras, ai, palavras,

Que estranha potência, a vossa!

Éreis um sopro de aragem...

_ sois um homem que se enforca!



(Romanceiro da Inconfidência)

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